O homem pode não ser rico, mas se ele tiver na bagagem a leitura será mais que isso: será sábio. A sabedoria, sem dúvida, é grandiosa, é tudo na vida, não na morte. Na morte, todos os homens são igualmente leigos.

Margarete Solange. Contos Reunidos, p. 98

domingo, 9 de maio de 2021

Agraciada

poesia de Margarete Solange

Quem é esse anjo que cuida
Da criança doente,
E com mãos leves
Afaga a cabeça carente?
Nas madrugadas silentes,
Pacientemente vela.
Ao longo de sua existência
Zela, exorta, ensina e ama.
Sabiamente aconselha,
E com instinto sobrenatural
Pressente o mal.
Essa pessoa tão terna
Que ao seio alimenta,
Com os braços acalenta
E com a voz doce
Canta canções de ninar,
É uma mulher virtuosa,
Cheia de graça e firmeza,
Que da fragilidade extrai fortaleza,
E se diz bem-aventurada
Por ter sido agraciada
Com a bênção de ser mãe.





Imagem Eduarda Fernandes
Poesia de Margarete Solange.
Inventor de Poesia 2ª edição,
Editora Oito, 2014, p. 54

M ã e

 poesia de Margarete Solange

Mamãe
É um Beija-flor
E eu a flor
Que alguém
Plantou
No seu jardim.
Ai de mim
Sem ela!

Ela me beija
Com dulçor
E eu sou feliz
Por seu amor.
Mulher bela
E preciosa,
Como viver
Sem ela?










Margarete Solange
Inventor de Poesia Infantil
 2ª edição, 
Sarau das Letras, 
2016, p. 75

sábado, 17 de abril de 2021

O Silêncio das Lembranças - 2ª edição

Romance da autora Margarete Solange, o Silêncio das Lembranças, em sua 2ª edição, em 2019, pela Sarau das Letras, conta a história de Marina e Marisca, meninas apaixonadas por leitura e pelo contato com a natureza. Felizes, brincam soltas pelas terras de um mundo encantado composto pelos sítios e pela Casa Grande da família paterna.

Na primeira parte da obra, a narradora inicia com uma pincelada na infância, mas logo chega a adolescência, época em que as meninas estão descobrindo o amor e muita coisa inusitada acontece. Marisca, atrapalhada e dotada de imaginação fértil, confunde a realidade com o mundo dos livros.

Na segunda parte da história, a trama se desenrola na cidade, então surgem as reviravoltas. A irreverente Marisca torna-se jornalista e escritora e resolve juntar as lembranças daquilo que leu, viu e ouviu para escrever um romance no qual Marina é a personagem central.

Narrando sobre a irmã, revela tudo o que sabe, todavia, falando de si mesma, omite detalhes importantes que o leitor precisa empenhar-se para desvendar.










Margarete Solange,
O Silêncio das Lembranças. 
2ª edição, 2019,  340p.
Editora Sarau das Letras,
Imagem da capa:
'Moradia dos Sonhos' 
Pintura do artista Alex Jr




terça-feira, 6 de junho de 2017

Saudade ferina

conto de Margarete Solange

O luto me pintou de negro o coração.
A tristeza e a saudade, se por decreto não sei,
se fizeram instrumentos de meu trabalho.
Essa dor que tritura o âmago deságua em literatura.
Renegar a profissão o traria de volta?

Nada vai fazê-lo voltar. E essa saudade vai ficar aqui dentro me esmagando num aperto indizível. E eu nem sei se quero que ela se vá.

Sinto-me tão só. Não quero esquecê-lo
e a lembrança dele me segue e persegue,
por toda parte.
Em cada canto da casa: no silêncio,
no soprar do vento;
em cada recanto de meus quintais e jardim.

Em nosso banquinho, no meio do pátio, sentávamos todas as noites, amávamos estar lá em companhia um do outro, debaixo do vasto céu, para conversar.

A morte o abraçou prematuramente.

Ele não queria partir, eu lia isso em seus olhos. Olhinhos contentes que eu tanto amei. Quem dera, ele estivesse aqui nesse momento, me olhando sem nada dizer. Assim ficou por dias e noites escondendo de mim que sofria. Lentamente partia sem me deixar perceber. Não foram suficientes as vezes que o abracei. Deveria tê-lo abraçado mais.
Com bravura canina, lutou até o fim. Agora, ele não sofre mais. E as minhas lágrimas viraram chuva, águas de uma poesia longa e triste... Por toda parte o vejo correr, orgulhoso de ser quem era: um pequeno vira-latinha marrom. Chamo-lhe o nome em pensamento. E mesmo que gritasse, ele não responderia.
Ele era um grande amigo, inesquecível. Éramos inseparáveis. A minha presença trazia-lhe notório contentamento. Ao seu lado, eu me sentia uma rainha. Uma rainha sem reino, sem posses, sem trono, senhora de nada, o título me bastava. Eu era gigante no seu pequeno mundo canino.
O baixinho se achava o tal. Orgulhava-se de sua origem mal contada, não registrada em lugar algum. O pai era pastor alemão, e a mãe, já se sabe, virava latas. Ele era líder, esperto; às vezes mal-humorado. Escalava parede, brincava de procurar quem se escondia e obedecia aos comandos, mesmo que estes fossem feitos em inglês. Ficava de pé, sentado, deitado, “fazia mortinho” e dava a patinha:
– Essa não, a outra – ele obedecia, trocando as patinhas quantas vezes fossem necessárias. – Peça desculpas – ele ficava de pé com as patas sobre a minha perna até que eu lhe afagasse a cabeça dizendo “tá desculpado.” – Escolha – mostrava-lhe as duas mãos fechadas. Numa delas estava escondido o biscoito. Ele tocava com a patinha duas vezes, indicando a mão onde estava escondido o petisco. Ele sempre acertava.
Tinha faro apurado, ele era “o cara”! As visitas duvidavam de sua capacidade, até vê-lo mostrar-se. E ele adorava mostrar tudo o que sabia, sem qualquer inibição. Por vezes, em troca de nada.
Certa vez, ele fugiu sem que fosse visto. Logo que percebi, saí a procurá-lo do jeito que estava: desarrumada, despenteada. Seguia pelas ruas e gritava o seu nome na esperança de que me ouvisse e viesse até mim. Era uma rainha louca em busca de seu cão fugitivo. Nem enxergava se pessoas me olhavam. Melhor não saber. Tudo o que queria era ter o meu cachorrinho de volta. Naquela noite eu o considerei um ingrato. Trocou-me pela liberdade de correr pelas ruas, sem destino. Do meu quarto, eu podia ver além do muro, e mesmo sendo madrugada, da janela eu olhava esperando vê-lo voltar.
Na manhã do dia seguinte, ele estava de volta. Levara um coice de um jumento. A cabeça estava muito inchada. Aparentemente tivera traumatismo. Ele gemia de dor, jogava-se contra a parede. Mesmo chorando, eu cantei para ele alguns hinos, até que ele se aquietou. Melhorava a cada dia, e milagrosamente escapou. Anos depois, novamente escapou da morte, que veio encontrá-lo, ameaçadora e possessiva. Por isso acreditei que nessa terceira luta, mais uma vez ele seria vencedor. Porém, a velhice chegou antes da hora. Ele ainda não tinha oito anos, mas, por causa da doença, parecia velhinho. Era penoso vê-lo perdendo o seu porte de rei. Ele não latia mais, tornou-se um reizinho mudo: a doença tirou-lhe a voz. Estava com um nódulo na garganta e o tratamento não era possível porque ele estava com anemia profunda.
– Sente-se – disse-me o veterinário com o envelope dos exames na mão.
Sentar? Sentar para quê? Para ouvir o que eu não desejava. Desde então, torturava-me a ideia de ser eu a decidir sobre a vida do meu amiguinho. E quando soube que não poderia assistir a sua partida, me doía terrivelmente ter que entregá-lo e deixá-lo num momento como aquele. Queria ter certeza de que ele não sofreria, e para isso eu teria que estar ao seu lado, segurando-lhe a patinha até que partisse.
Ele sabia da doença desde o princípio, e não quis me contar. Nem poderia, não saberia falar de um assunto como esse sem o auxílio das palavras. Estava tão magro. Eu tentava fazê-lo comer e por vezes, para me agradar, ele comia. Essa situação me inquietava, dia após dia. E a cada amanhecer eu esperava que ele estivesse morto, isso seria menos doloroso para nós dois.
No livro de John Steinbeck “Ratos e homens”, o cachorro de Candy estava velho, então o convenceram a abrevia-lhe o sofrimento. Mas não foi ele quem o levou para receber o tiro de misericórdia. Em consideração ao amigo, ele deveria estar ao seu lado até o fim. Por amizade, eu teria que estar com o meu cãozinho até que ele desse o último suspiro. Eu imaginava que se tivesse um revólver, daria um tiro na nuca do meu amiguinho, assim ele não mais sofreria e eu não o teria abandonado nesse momento difícil.
A cada vez que se sentia ameaçado, ele fitava-me insistentemente, como a pedir, com os olhos, para não entregá-lo, não abandoná-lo. Eu entendia quando ele me falava esfregando a cabeça em minha perna, esse era o seu modo de me pedir para ajudá-lo. Optei por não fazer a eutanásia. Solicitei ao veterinário que me ajudasse a amenizar-lhe o sofrimento até que tivesse morte natural. Ele me seguia pela casa, e deitava-se junto a mim onde quer que eu estivesse. À noite, eu dormia perto dele para que não estivesse sozinho na hora de partir. Com isso, ele melhorava. Voltei a ter esperança. Talvez no meu ingênuo bem-querer, acreditei que ele fosse imortal.
Ele lutou bravamente para permanecer em minha companhia todo o tempo que pudesse. Partiu numa madrugada em que eu não estava ao seu lado. Naquela noite, não me deixou perceber que tinha chegado a hora.
Com ele aprendi tanta coisa. Ele me ensinou a amá-lo. O meu amigo tinha por mim um amor tão sincero. Ele me ouvia e compreendia, era sensível aos meus sentimentos. Caso eu estivesse triste, ele sentia, mesmo que eu nada lhe dissesse. Se me visse chorar, latia, saltitava tentando me alegrar.
Por causa dele, mudei, e fiz coisas que antes nem imaginava fazer. A minha mãe admirava-se de ver-me sentada na areia afagando-lhe o pelo. Na infância e juventude, eu tinha fobia a cães, não seria capaz de tocá-los de modo algum. Aprendi com ele uma nova maneira de ser e de amar. Foi tão surpreendente e doloroso vê-lo inerte, os olhinhos parados, fitando-me sem ver. Olhos lindos, que eu tanto amei.
Eu sabia que o futuro iria tirá-lo de mim; então, tomava posse do presente, apertando-o em meus braços, sabendo que aquele momento em breve seria passado. Agora, todas as noites uma saudade ferina grita o seu nome e ele não vem, porque não está em lugar algum, mas as lembranças dele estão por toda parte. E eu nem quero que elas me deixem, porque um grande amor a gente não quer esquecer.
Nono dia sem ele. É tão difícil não tê-lo... Ele ocupava um espaço muito grande em meu coração; agora, esse espaço está vazio. Com lágrimas nos olhos e uma profunda dor na alma escrevo e dedico a ele, o meu grande amigo Rex – Rei em latim – estas minhas palavras de lamento.
Ele se foi do mundo real... Mas ainda vive nas páginas da literatura: em cada poesia, em cada palavra na qual se transformou nesse novo mundo. Ele não era tão somente um vira-latinha... Era inteligente, alegre, divertido, apaixonado pela vida... Era o Rei REX... E eu o amava.

Fotografia: Felipe Galdino













Margarete Solange,
Conto: Saudade Ferina
In Contos Reunidos,
 p. 137-141
Sarau das Letras, 2014.


sábado, 13 de maio de 2017

M Ã E . . .

poesia de Margarete Solange
Teu nome é sublime,
Precioso como as muitas jóias da coroa real.
O encanto que teu nome traduz é mais envolvente
Que a beleza das flores,
Porque as flores passam, mas o teu nome permanece.
E em cada canto, cada lar, cada nação
Tu és... tu és... tu és...
És o abrigo dos braços que embalam,
O remédio das dores que não se explicam.
Tu és como a música que acalma o choro aflito,
Esperança do pequeno que conduzes pela mão,
Atravessando as ruas,
Atravessando o medo,
Atravessando a vida.
És símbolo de mulher forte
Que edifica sua morada para que seus filhos
Nela repousem seguros.
E dessa fortaleza és a guardiã escolhida por Deus.
És o bem que quem não tem lamenta e chora
E quem possui não quer perder jamais.
Mãe, muitas vezes chorastes
E te sentistes tão só,
Carregando sobre os ombros a responsabilidade
De guiar teus filhos pelo caminho do bem.
Erga os olhos e veja que não estás sozinha:
– Mulher, não chores... porque o Senhor é contigo 

E o “teu valor muito excede ao de rubis”!


Fotografia de  Klêyson Sena






Fonte
Margarete Solange.
Inventor de Poesia 
 2ª edição, 
Editora Oito,
2014, p. 34



terça-feira, 2 de maio de 2017

A n i n h a

Poesia de Margarete Solange.
.

No tempo em que a raposa
Era amiga da galinha,
E a vaca tossia
E ainda dava uma rodadinha,
Existiu na terra
Uma minhoca engraçadinha,
Alegre e exibida,
Que se chamava Aninha.
Fazia amigos por toda parte,
Vivia de bem com a vida.
Mesmo não tendo beleza,
Era muito convencida.

Ao descobrir que lagarta
Se transforma em borboleta,
Muito esperta a minhoquinha
Arranjou uma caneta,
E sem que alguém visse
Escreveu com convicção
Que sua mãe era uma lagarta
e seu pai um lagartão.
Na hora de mudar e
Se transformar em borboleta,
Aninha, de novo, apoderou-se da caneta
E modificou a sua história,
Que já estava prontinha,
Dizendo que se transformara
Numa linda menininha.


Vaidosa e exibida
Pediu ao ilustrador
Que a fizesse colorida,
Com roupa extravagante,
Corpo sob medida,
Sapatos cor-de-rosa,
Elegante e divertida,
E assim Leon a fez
Do jeito que ela sonhou.

Depois a narradora,
Que se chamava Marina,
Percebendo a mudança,
Encantou-se com a menina.
Deu-lhe nome e sobrenome
E até uma profissão.
Anita Dicaprio
Tornou-se uma estrela,
Não de televisão,
De um blog literário,
Onde muito faladeira
Dizia o que queria
Recheando com besteira.
A super-Aninha,
Não se acha, tem certeza.
Foi assim que ela surgiu
E conseguiu sua beleza.
Hoje, famosa e admirada,
É favorita dos adultos,
Amiga da garotada.


Sentindo-se cansada
De seu exibimento,
Estudou muitos assuntos
E ganhou conhecimento.
Quis ser calma e comportada.
Não encontrando a caneta
Para modificar sua história,
Pediu ajuda a Marina.
A narradora madrinha
Não possuía varinha
Nem era fada encantada,
Mas tinha grande talento
E levava em suas mãos
Um poderoso instrumento,
E com ele escrevia
Fosse noite, fosse dia
A história que quisesse.

Ao anunciar em público
Aquela decisão,
A resposta inesperada
Provocou grande emoção:
Seu jeito arrebatado
Espontâneo e sincero
Cativava os fãs
Por encanto e por mistério.
Seus amores e amoras,
Do ancião à criança,
Todos se agradavam dela,
Ninguém desejava mudança.
E foi assim que a Super-Aninha,
Com grande satisfação,
Percebeu que se exibir
Faz parte da profissão.





Margarete Solange,
Inventor de Poesia 
Infantil, 2ª edição, 
Sarau das Letras,
 2016, p. 120-122
Ilustração; 
Isaura Barbosa