O homem pode não ser rico, mas se ele tiver na bagagem a leitura será mais que isso: será sábio. A sabedoria, sem dúvida, é grandiosa, é tudo na vida, não na morte. Na morte, todos os homens são igualmente leigos.

Margarete Solange. Contos Reunidos, p. 98

domingo, 12 de fevereiro de 2012

A Raposinha

conto de Margarete Solange

Vou contar a história de uma raposinha que tentava alcançar as uvas... Mas olha aqui, não vá pensar que se trata da mesma raposa daquela antiga fábula, A Raposa e as Uvas, conhecida no mundo inteiro. Nada disso. Aqui a raposa é outra, e as uvas também, embora deva reconhecer que o início dessa história é bem parecido com aquela já conhecida. Mera coincidência, no desfecho as duas são diferentes. Leia e confira:
Uma raposinha sonhadora ia passando perto de uma vinha, quando, de repente, foi atraída por belos cachos de uvas bem madurinhas, prontinhas para serem colhidas e devoradas. Deslumbrada, parou e ficou pensando no que poderia fazer para realizar o seu desejo. Dinheiro para comprá-las, não tinha; roubá-las, nem pensar. Agir com desonestidade não cai bem para quem deseja ser respeitado.
Instantes depois, a raposinha percebeu que um leão velho, que tomava conta da vinha, aproximava-se do local onde ela estava. Gentilmente o cumprimentou e quis saber o que poderia fazer para saborear as belas uvas. O leão disse-lhe que, se ela pulasse e colhesse as uvas com a boca, poderia ter quantas uvas desejasse. Ora, o astuto leão bem sabia que a raposinha era pequena demais para alcançar uvas tão altas.
A raposinha, muito animada, começou a saltar. Pulou uma, duas, três... vinte... trinta... enfim, muitas e muitas vezes, sem sucesso. Parou para descansar. Enquanto isso, o leão pastorador, deitado à sombra de uma frondosa árvore, observava, divertindo-se. Após inúmeras tentativas a Raposinha, consciente de que precisava aprimorar seus saltos, desistiu. Desistiu temporariamente. Disse ao Leão que treinaria bastante, e quando se sentisse capaz de dar saltos mais altos, retornaria para tentar novamente alcançar as uvas prometidas.
A notícia de seu fracasso espalhou-se por toda a floresta. Por onde passava, os animais de bom coração lhe dirigiam alguma palavra de conforto, os insensíveis escarneciam.
– E aí, dona Raposa, não quis as uvas porque elas estavam verdes, foi?
– Que nada, meus amigos, estavam maduras e saborosas, eu é que não fui capaz de alcançá-las... Mas, não desisti, outras uvas virão e um dia vou consegui-las. Podem apostar suas vidas.
Assim, o tempo foi passando, e a raposinha ia, vez por outra, testar a sua capacidade. Pulava e pulava enquanto o leão pastorador a observava pelos arredores da vinha.
– Desista – diziam algumas raposas amigas sempre que a encontravam pelo caminho, já cansada de tanto saltar. – Você não precisa dessas uvas para se fartar. Existem tantas outras coisas ao seu alcance para comer. Para alcançá-las você vai ter que crescer e conseguir saltar bem alto... E, como bem sabe, as raposas não são altas nem saltadoras.
Contudo, nada fazia a raposinha desistir. Pelo contrário, ansiava por provar que um dia seria capaz. Acreditava que o seu alvo deixaria de ser tão alto se ela se esforçasse e investisse em suas potencialidades. Por fim, se não conseguisse ser vitoriosa, pelo menos não tinha sido fraca, recusando-se a enfrentar o desafio.
Depois de muitas tentativas, o dono da vinha, impressionado com a sua perseverança, resolveu recompensá-la. Disse-lhe que subisse nas costas do leão velho e escolhesse para si todos os cachos de uvas que fossem do seu agrado. A raposinha recusou a gentileza, explicando-lhe que não era dessa forma que gostaria de vencer na vida. Além disso, bem sabia que o leão era sarcástico e acabaria por lançar-lhe em rosto o favor concedido. Tampouco queria carregar sobre os ombros o peso de sentir-se incapaz de vencer por si mesma.
O dono da vinha, então, ofereceu-lhe um outro presente. Desta vez, uma bolsa de estudo na Universidade das Rãs Saltadoras, com direito a aulas de alongamento de pescoço ministradas pelas girafas mestras. De bom grado aceitou, e lá se foi a raposinha sonhadora cheia de esperança.
Enquanto isso, o leão velho, sentindo-se o todo-poderoso, muito à vontade, como se fosse o próprio dono da vinha, mandava e desmandava, decidindo por conta própria quem podia e quem não podia provar o sabor das altas uvas.
Essa coisa de raposa tentando alcançar as uvas foi se espalhando até que virou atração para a bicharada. Todos os anos havia um concurso para escolher a raposa melhor saltadora. Muitos bichos vinham de longe para se divertir e fazer suas apostas. O fato é que o leão velho trapaceava, e só ganhava o concurso quem ele queria.
Algum anos depois, a raposinha, heroína de nosso conto, retornou formada em salto em altura. Sentindo-se preparada para enfrentar o concurso, inscreveu-se confiante e muitos apostaram nela. Surpresa: foi desclassificada.
Conversa vai, conversa vem... A bicharada cochichava entre si que o juiz favorecia as raposas que eram suas protegidas. A raposinha, sentindo-se injustiçada, passou a observar e colecionar os atos e os fatos e concluiu que as suspeitas tinham fundamento. Assim sendo, enquanto o leão velho fosse juiz e organizador do concurso, ela jamais seria a vencedora. Resolveu, então, fazer uso do privilégio que tinha com o dono da vinha. Pediu-lhe que lhe desse uma chance de provar que o leão era desonesto. Provou, e este foi destituído do cargo de juiz, perdendo também o emprego de pastorador da vinha.
Com um novo leão presidindo a comissão julgadora não houve mais fraudes. Reconheceram a competência da raposinha, que passara anos a fio treinando para conseguir vencer, sem favores de padrinhos. Finalmente ela provou das uvas conseguidas com seu próprio esforço. A partir de então, muitos vinham até ela para pedir lições de como saltar e alongar o pescoço para colher muitas uvas usando a boca. Pois é, e ela fazia isso com muita dedicação.


Sempre otimista, iniciava as suas palestras dizendo que o candidato deve saber medir a sua capacidade, reconhecer suas limitações e procurar superá-las. Outro passo importante seria investir na capacitação e perseverar firme, avançando em direção ao alvo, sem esquecer de preferir a honestidade para conseguir o que almeja. Afinal, “não há nada que se faça em oculto que em dias futuros não seja revelado”.
.
.
Fonte: Margarete Solange. 
Ninguém é Feliz sem Problemas.  
Fundação Vingt-un Rosado, 2009.