Faz tanto tempo que não escrevo. Não escrevo porque me
falta tempo. Tanto se criticam os desocupados, e eu hoje quase os admiro. Quem
dera meu tempo fosse livre para eu ficar desocupada e poder fazer tanta coisa de
que gosto. Ler, por exemplo. Chego a imaginar que estou desaprendendo a ler por
prazer, porque não tenho tempo. Preciso ler folhas e mais folhas de trabalhos
científicos, monografias de conclusão de curso, referências a autores ou mesmo
plágio (Se não existisse o plágio muitos jamais se formariam). Alguém poderia
me criticar dizendo: o ser humano nunca está satisfeito. Agora que está no
emprego que sempre almejou, reclama. Reclamo! Reclamar é sinal de que estamos
vivos! Contudo, estou bem satisfeita, ganhando o meu precioso salário e
dele faço muito bom proveito, por vezes até compro sonhos. Tão somente queria
ter mais tempo para trabalhar em áreas que me trouxessem mais contentamento e
realização. Passo pelas ruas, observo as pessoas que, no final da tarde, sentam-se,
com o cabelo molhado e uma roupa leve, em cadeira de balanço em suas calçadas.
Sempre achei que sentar em calçada não combina com o meu jeito de ser, mas por
esses dias, meses e anos, sentar para conversar seria para mim um luxo, um
refrigério. Todavia, ainda assim, se me sobrasse tempo, armaria uma rede na
varada e buscaria a companhia de um bom livro para ler. Queria tão somente me
apossar do meu próprio tempo para empregar naquilo que bem quisesse. Quem dera
até pudesse acompanhar dia a dia um programa de TV, quem dera! Já que, assiste à
TV quem tem tempo para desperdiçar. Quem dera não precisasse reclamar que me
falta tempo para ler e escrever sobre aquilo que realmente me interessa. Ler e
escrever... Não necessariamente o dia todo, mas todos os dias, sem nada ganhar
ou perder, apenas para satisfazer minha necessidade de ser livre, empregando
meu tempo naquilo que verdadeiramente me faz feliz.
Margarete Solange, autora de doze obras publicadas, em 2009, foi premiada no concurso literário, escritor Norte Rio Grandense com a obra "Ninguém é Feliz sem Problemas e outros contos"; em 2014, recebe premiação pelo conto "A intrusa". Dona de um estilo criativo, divertido e inteligente, surpreende com o talento para criar em prosa e a arte com que lapida seus versos.
O homem pode não ser rico, mas se ele tiver na bagagem a leitura será mais que isso: será sábio. A sabedoria, sem dúvida, é grandiosa, é tudo na vida, não na morte. Na morte, todos os homens são igualmente leigos.
Margarete Solange. Contos Reunidos, p. 98