O homem pode não ser rico, mas se ele tiver na bagagem a leitura será mais que isso: será sábio. A sabedoria, sem dúvida, é grandiosa, é tudo na vida, não na morte. Na morte, todos os homens são igualmente leigos.

Margarete Solange. Contos Reunidos, p. 98

Posfácio

O Silêncio das Lembranças é o resultado de algumas de minhas leituras literárias, em especial, das obras “O Morro dos Ventos Uivantes” de Emily Brontë, “A Letra Escarlate” de Hawthorne e “O Gato Preto” de Edgar Allan Poe. Romance narrado em primeira pessoa, pela jornalista Marisca Bravia, que, por vezes, quer fazer a vez de um narrador onisciente, falando sobre pensamentos e sentimentos que não lhe foram revelados. Essa jornalista é uma personagem que admiro bastante, pois, desde criança, mostra-se independente e determinada. É dotada de personalidade forte, é ousada, características que aprecio muitíssimo nas pessoas da vida real. Essa personagem de ficção saiu das páginas deste romance para protagonizar o conto “Filhos da Pobreza” publicado no livro “Ninguém é Feliz sem Problemas”, embora em nenhum momento seu nome apareça na obra. Bom, se não for ela, é alguém muito parecido, uma cópia bem fiel!
Outra personagem que me diverte bastante é a velha Rosa. Quando findei o romance, as mulheres da minha família, que liam ou ouviam os comentários sobre as peripécias da velha, perguntavam-me em quem eu tinha me baseado para criá-la. Nenhuma delas queria ser a musa inspiradora. Eu me divertia com isso. Tampouco queria me identificar com essa personagem, exceto pelo fato de que ela também fora professora de crianças, quando jovem. Voz estridente e resmungona, fala o tempo inteiro até quando está sozinha. É uma personagem hilária, uma caricatura divertida. Ao que parece, nós, mulheres, com o tempo tornamo-nos um pouquinho velha Rosa, de uma forma ou de outra. Todavia, espero que, com o passar dos anos, essa semelhança não cresça. Não desejo plagiá-la, afinal, a velha Rosa surgiu antes da velha Margarete.
Do mesmo modo que, ao lermos uma obra, podemos nos identificar com vários personagens, um único personagem pode ter sido baseado em diversas pessoas. É aí que entra o talento do escritor: a partir da realidade, ele cria ou recria sua arte, temperando a seu modo, conforme seu estilo e seu querer. Assim sendo, nesta obra monto personagens de ficção, emprestando a eles relances de emoções, temperamentos, jeito de ser e de falar de pessoas que passaram por mim. Aproveito também episódios que vi, ouvi ou vivi nos tempos de infância, adolescência e até, quem sabe, ainda vou vivenciar em dias futuros, já que a vida também imita a ficção.
É natural que o romancista busque nas pessoas da vida real ou em personagens de outros autores características para suas criações. Stony, Marina e Heitor, por exemplo, são baseados em Heathcliff, Catherine e Edgar, personagens do romance de Emily Brontë. Contudo, eles têm personalidades e atitudes diferentes. Existe um elo forte entre Marina e Stony, porém eles são separados pelo destino. E esse destino tem como aliada a narradora Marisca, que omite fatos importantes, os quais a irmã precisava saber, bem como manipula acontecimentos com a finalidade de sabotar o romance entre os dois. Por fim, consegue que o elo entre eles seja quebrado. A grande diferença entre os personagens das duas obras está no fato de que, embora Marina e Stony sejam impedidos de ficarem juntos, eles não se destroem por causa disso.
E assim, emprestando o jeito de ser e de falar de pessoas das obras lidas e da vida real, surge este romance. Mais um filho que vem ao mundo e que já nasce velho porque vem sendo lido desde 1995, época em que iniciei sua criação. Em 1997, com ajuda do computador, confeccionei alguns exemplares e os emprestava a parentes, amigos e coloquei-os também no acervo da biblioteca na qual trabalhava na época.
É interessante ouvir a opinião dos leitores enquanto podemos alterar a obra. Eles sempre pedem para modificar alguma coisa. Acatei algumas das sugestões dadas. Mas mesmo assim, os leitores queriam sempre mais, principalmente, em relação aos personagens Marina e Stony. Pois é, às vezes até desejamos dar um final diferente a nossas criaturas, porém, nem sempre depende de nós autores fazê-lo. Eu sinceramente não esperava que Marisca aprontasse tudo que ela aprontou. Por vezes, planejamos de um jeito, mas o personagem teima e faz de outro, completamente fora do planejado.
Aos que gostariam que Stony tivesse um final mais afortunado, aconselho que leiam “O Morro dos Ventos Uivantes”. Certamente, irão concluir que modifiquei bastante, o final infeliz do meu “Heathcliff”
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A  autora




Fonte: Margarete Solange. 
O Silêncio das Lembranças
Queima-Bucha, 2011.