O homem pode não ser rico, mas se ele tiver na bagagem a leitura será mais que isso: será sábio. A sabedoria, sem dúvida, é grandiosa, é tudo na vida, não na morte. Na morte, todos os homens são igualmente leigos.

Margarete Solange. Contos Reunidos, p. 98

Posfácio

Escritora de Versos
Margarete Solange
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Acredito que Deus me deu por herança a capacidade de criar, de esculpir coisas usando as palavras. Escrevo romances, contos, crônicas e também sou escritora de versos. Tenho a sina dos poetas: uma solidão interior, inexplicável, mas não sou genuinamente poeta. Cecília diz: “não sou alegre, nem sou triste: sou poeta”, eu digo de outro modo: sinto alegria, sinto tristeza, mas não me sinto poeta. Ser anunciada como tal, soa com certa estranheza aos meus ouvidos.
Imagino o poeta como um ser especial: aparência angelical, meigo, frágil; manso e humilde de coração, pacífico sempre! Diferente das pessoas comuns, uma espécie de sacerdote inspirado de maneira sobrenatural para a missão de fascinar com versos cheios de sublimidade, musicalidade e beleza. Ser universal, nome que não tem gênero: é somente poeta, seja homem ou mulher. E esse ser, ao falar, assume o lugar de qualquer pessoa, não importa sexo, idade, nação ou época.
As pessoas têm curiosidade de saber como surgem os versos. Perguntam se eles são sentimentos verdadeiros ou obra de ficção como a prosa. Alguns acreditam que surgem tão somente trazidos pela inspiração. Quando me perguntam como surgem os meus poemas, de bom grado respondo. Escrever em versos envolve inspiração, realidade e ficção também. Já passei para o papel alguns versos que simplesmente me surgiram na mente, de repente, do nada. Não sei explicar direito por que eles resolvem surgir repentinamente ou em momentos em que estamos melancólicos, passando por crises existenciais.
Existem versos que não são inspirados, são trabalhados passo a passo como acontece na prosa. Isso não quer dizer que não são sentimentos verdadeiros: são, porque “Um poeta não mente”... Se contradiz, mas realmente sente o que escreve, embora, por vezes, não esteja tratando de sua própria dor e emoções.
Dificilmente saio desacompanhada de lápis e papel, pois nunca sei quando vão surgir ideias fervilhando em minha mente, querendo escapar de dentro de mim. Isso muitas vezes acontece nas situações mais inesperadas; assim sendo, se não estou preparada, tenho que arranjar rapidamente meu material de trabalho e fugir por alguns momentos para escrever o que está martelando em minha mente, ou magoando meu coração.
Já ouvi algumas críticas aos meus versos porque eles são tristes. A verdade é que vivo as alegrias e registro as tristezas. Acho que muitos são os que assim procedem, já que os poemas que falam de contentamento são mais raros de acontecer. Ao que parece, o sofrimento fascina mais que a felicidade!
O fato é que na alegria estou ocupada demais para escrever, e se escrevo, faço prosa. Sou melhor recebida pelas pessoas quando estou feliz, despreocupada, realizada. Então, tenho que aproveitar esses momentos agradáveis em companhia dos que me cercam. Quando os momentos de melancolia e inquietação desabam, me recolho e escrevo um montão de palavras, matéria bruta que depois tento lapidar. E, se “Na tristeza faço versos”[i], sou grata a Deus porque esses escritos são bem poucos se comparados ao muito que já vivi.
Acredito que os poemas são mais belos quando o autor fala do que fere e lateja, daquilo que queremos ter, mas não temos, nunca tivemos. A saudade é mais sentida e a dor mais doída. Isso emociona, toca os corações. Faz as pessoas sentir a poesia de seus próprios pesares.
Quanto às críticas, elas vão existir de qualquer forma, é natural das pessoas perceberem montanhas de defeitos quando se trata de um trabalho que não foi feito por elas próprias. Também faço isso com os trabalhos alheios... Costumo conversar com os escritores enquanto leio suas obras, e dificilmente não crítico algo, sempre há algo a reclamar.
Já escrevi por encomenda para pessoas que queriam dizer algo a alguém mas não sabiam como fazê-lo. Quando jovem, fiz versos românticos para serem vendidos em eventos, e também  os fiz a pedido de amigos apaixonados ou desiludidos. Para isso eu ouvia as suas histórias de amor. Sempre existia relatos parecidos com momentos pelos quais passei ao longo de minha vida, isso fazia ressuscitar emoções que pareciam não ter mais nenhuma importância; de forma que, mesmo falando em lugar de outrem, eu me apossava dos sentimentos que descrevia. Dessa forma, já falei de dores e amores que nem sempre foram completamente ou genuinamente meus.
Não poucas vezes, fico grávida de algum tema, então ele pode despontar subitamente qualquer dia. Já gerei versos prematuros que me deram trabalho para se formar; abortei alguns, e também me maravilhei com aqueles que já nasceram prontos.
Existem versinhos desajeitados, coitadinhos, que não agradam ao autor; mas se agradam a alguém, são publicados. A questão é que sentimos pena de rejeitar completamente algo que saiu de nossas entranhas. Quando não foi feito por nossas mãos, não hesitamos em depreciá-los e classificá-los como não publicáveis.
Um professor de literatura disse certa vez que até mesmo os poetas considerados os melhores, conhecidos em todo o mundo, além das boas e belas poesias, escrevem e publicam bobagens. Concordo com esse crítico. Mas tenho aprendido que às vezes aquilo que não agrada a uns, emociona a outros.
Na adolescência eu escrevia por necessidade, e imaginava que aquilo que eu escrevia não interessa as pessoas. Agora, quando escrevo, penso naqueles que vão ler, e almejo tocá-los. A partir de conversas com os leitores ao longo desses anos, creio que já não escrevo somente o que sinto, mas o que aflige e emociona muita gente que se vê refletida nas palavras que saem, ora de minha mente, ora do meu coração.


[i] Crônica de apresentação da 2ª edição do livro Um chão Maior.



Fonte: 
Margarete Solange. 
Inventor de Poesia, 
 edição
Oito editora, 
2014, p. 197-199