O homem pode não ser rico, mas se ele tiver na bagagem a leitura será mais que isso: será sábio. A sabedoria, sem dúvida, é grandiosa, é tudo na vida, não na morte. Na morte, todos os homens são igualmente leigos.

Margarete Solange. Contos Reunidos, p. 98

Prefácio

Alegro-me pelo privilégio de ser convidada para prefaciar o livro da escritora Margarete Solange, porque entendo que tal convite deveria ser feito a alguém com significativa bagagem literária como um poeta, um ensaísta renomado ou um crítico literário com experiência para tal. Porém, se de nenhuma dessas classes faço parte, se não tenho nenhum desses títulos e sou tratada como se os tivesse, logo presumo que realmente ocupo lugar de importância na vida daquela que me convidou para desempenhar essa honrosa tarefa.
Dona de um estilo bem próprio – criativo, divertido e inteligente –, fortemente caracterizado pela intertextualidade e metalinguagem, a escritora Margarete Solange surpreende com o talento vindo da alma para criar e com a arte que possui para lapidar e montar seus versos. Ainda assim, não se declara poeta, pois considera que os poetas são seres notáveis, dotados de características “meio divinais”, preferindo intitular-se escritora de versos.
Escrever é seu ofício. Um ofício que desempenha com paixão e seriedade. Sobre isso fala no poema “Vida e Obra”: Trabalho esculpindo poesias, /Aparando as arestas, /Lapidando aqui e ali... E em “Versos de Aprendiz”: Escrever é meu refúgio./ Mergulho em meu ofício,/Modelo palavras. / Monto e desmonto versos.
Aos amigos dedica sua “Herança em Palavras”: Aos amigos deixo toda a minha gratidão, /Meus versos, todos os meus escritos, /Enfim, tudo que criei, /Que saiu do mais profundo de mim. No poema “Contentamento,” além da herança em versos que repartirá com muitos, menciona novamente o prazer de escrever: “Não quero sepultar o meu talento, / Se com ele posso contentar outras pessoas. / Aproveito os dias longos, / Para compor a herança que / Repartirei com muitos. / Escrever é meu ofício/ E meu prazer. E, ainda nesse poema, numa alusão aos versos bíblicos, que recomendam que quem está alegre cante, quem está aflito, ore, ela diz: Se estou alegre, canto. /Se estou triste, faço versos.
Num mergulho na literatura universal, a autora conversa com o escritor Allan Poe nos poemas “Para Sempre” e “Nunca Mais”, e com Elizabeth Bishop, respondendo ao seu poema “One Art”, com o poema “A Arte de Perder”, arriscando-se até mesmo a dar sua “Resposta ao Silêncio”.
Brinca com o trágico em “O Riso e o Pranto”, faz retratos escritos de si mesma nos poemas “Retrato Escrito” e “Metade de Mim”. De igual modo retrata com realismo outros quadros, como o de uma criança sozinha no leito de um hospital, vítima da “Guerra dos Homens”. Com isso, leva o leitor a visualizar cenas que ela pinta com palavras, conseguindo deslocar o leitor para dentro de sua obra ou, melhor dizendo, para dentro do cenário descrito em seus versos.
O livro Inventor de Poesia reúne poemas com multiplicidade de temas, para leitores de preferências diversas em qualquer idade. Impressiona a mim e a outros o fato de a autora desde cedo trazer na bagagem a habilidade de se expressar e montar seus versos belos e singelos, como denunciam os poemas escritos na adolescência “Noite”, “Virgens”, “Brilho Cinzento”, “Restos”, “Mais um poeta”, e outros publicados no livreto Um chão Maior, em 1981.
Há ainda entre os seus escritos textos irreverentes como “Anúncio”, “Procuro Alguém”, “Dieta Rimada” e outros feitos como que por brincadeira, apenas para divertir o leitor, e talvez por isso acabam ficando de fora de suas publicações.
A escritora Margarete, além de admirável pelo que cria e escreve, é notável também como pessoa, como amiga, como mãe. Sendo para mim desde cedo motivo de orgulho, o exemplo maior, digna de ser louvada. Ensinou-me as primeiras letras, despertou-me para a leitura contando-me histórias infantis, imitando as vozes das personagens, fossem gente ou animais. Logo que escrevia algo novo, lia para eu ouvir e opinar. E até hoje quando leio seus escritos é a voz dela que ouço em meu pensamento; isso me emociona e, por vezes, me faz chorar.
Quando pequenos, eu e meus irmãos, minha mãe inventava uns versinhos que falavam de filhotes, então tínhamos que dar nossas respostas ao final das “Questões de Lógica Infantil”. Isso era bem legal. Com o tempo, ela tentou resgatar e registrar as criações infantis que fazia oralmente para nos divertir. Não demorou muito e esses poemas foram se multiplicando, porque a cada apresentação nas escolas, os pequenos faziam novas encomendas. Uns queriam poemas com estrelas, flores, cavalos e um montão de formiguinhas; outros citavam os bichinhos de sua preferência. Até que um garoto enviou-lhe um recado dizendo que já tinha bichos demais e que a autora falasse de palhaço e outras coisas divertidas.  Em resposta a essa encomenda, ela criou “Amigo Escondido”.
Histórias de animais facilmente sensibilizam e prendem a atenção da escritora Margarete. O único animal ao qual tinha verdadeira fobia era o cachorro. Felizmente já não tem, e essa grande amizade se faz sentir em seus textos. Lamento que alguns deles retratem a “Saudade Ferina” e o luto por seu grande amigo Rex, a quem desejou que fosse “Imortal”.
O fato é que com as apresentações que fazemos com fantoches, recitando para as crianças as poesias de Inventor de poesia infantil, a autora se mostra bastante realizada, pois esse trabalho agrega teatro, literatura, criança e animais, temas que são para ela grandes paixões.
A capacidade que ela tem para criar é um dom que parece vir de uma fonte inesgotável e se estende para outras áreas além da literatura. Mesmo no dia a dia, ela usa seus talentos para inventar coisas novas. Ainda que não tenha, na ocasião, muitos recursos para tal, ela faz receitas simples ficarem mais saborosas ou mais requintadas. E não aprecia fazer desse ou daquele modo porque todo mundo faz, ela inventa o próprio modo de fazer, não segue a moda: é dona do próprio estilo.
Seus escritos singelos e cativantes são reflexos de seu ser, de sua alma, retratos de seu interior. É assim que ela é, e deseja ser, porque a complexidade e a modernidade são coisas que lhe trazem espanto.
Enfim, como leitora assídua de seus escritos, indico sua boa literatura a qual considero ideal para todos os momentos e para qualquer idade. Asseguro que seus poemas são capazes de provocar no leitor as mais variadas reações, desde simples descontração a profundas emoções e deleite espiritual. Por todas essas razões, recomendo o livro Inventor de Poesia, certa de que cada leitor será envolvido pelas poesias multifacetadas deste livro, identificando-se mais com essa ou aquela, dependendo do estilo e preferência de cada um.

Maressa Moraes                         

Fonte: 
Margarete Solange. 
Inventor de Poesia, 
 edição
Oito editora, 
2014, p. 5-8.